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Direitos e Deveres do Clube Formador de Atletas

Direitos e Deveres do Clube Formador de Atletas 13/06/2016 Por: José Ricardo Rezende A erradicação do instituto do passe obrigou o legislador a criar mecanismos que assegurassem garantias ao clube formador de atletas, quanto à possibilidade de com eles firmarem o primeiro contrato de trabalho desportivo, por um prazo razoável, ou ser indenizado, sob pena de ninguém mais investir nas categorias de base, fato indesejado para todos os envolvidos com o esporte. O texto original da Lei Pelé não conseguiu atingir esse objetivo, mesmo depois de alguns ajustes, de maneira que o mecanismo passou por profunda reforma em 2011, por meio da Lei nº 12.395, depois de evidenciada as dificuldades e percalços dos clubes, melhor instruindo e acomodando o interesse das partes, apesar das críticas do Ministério Público do Trabalho (MPT) quanto ao negligenciamento, de fato, no trato dispensado aos atletas, por ocasião de vistorias e procedimentos de fiscalização. Estamos, portanto, diante de um tema candente do Direito Desportivo, a envolver uma série de interesses econômicos e que afeta a vida de milhares de crianças e adolescentes que sonham em alcançar o estrelado dos grandes ídolos do futebol mundial, mas que sabidamente poucos irão alcançar. Caracterização do clube formador: Em primeiro lugar, o § 2º do art. 29 da Lei Pelé elenca a finalidade e os requisitos para a caracterização de um clube formador de atletas, isto é, daqueles que poderão beneficiar-se dos direitos assegurados pela legislação, a saber: § 2º É considerada formadora de atleta a entidade de prática desportiva que: I - forneça aos atletas programas de treinamento nas categorias de base e complementação educacional; e II - satisfaça cumulativamente os seguintes requisitos: a) estar o atleta em formação inscrito por ela na respectiva entidade regional de administração do desporto há, pelo menos, 1 (um) ano; b) comprovar que, efetivamente, o atleta em formação está inscrito em competições oficiais; c) garantir assistência educacional, psicológica, médica e odontológica, assim como alimentação, transporte e convivência familiar; d) manter alojamento e instalações desportivas adequados, sobretudo em matéria de alimentação, higiene, segurança e salubridade; e) manter corpo de profissionais especializados em formação tecnicodesportiva; f) ajustar o tempo destinado à efetiva atividade de formação do atleta, não superior a 4 (quatro) horas por dia, aos horários do currículo escolar ou de curso profissionalizante, além de propiciar-lhe a matrícula escolar, com exigência de frequência e satisfatório aproveitamento; g) ser a formação do atleta gratuita e a expensas da entidade de prática desportiva; h) comprovar que participa anualmente de competições organizadas por entidade de administração do desporto em, pelo menos, 2 (duas) categorias da respectiva modalidade desportiva; e i) garantir que o período de seleção não coincida com os horários escolares. Não bastasse, o Dec. nº 7.984/13, que regulamenta atualmente a Lei Pelé, especificou o seguinte: Art. 49. Caracteriza-se como entidade de prática desportiva formadora, certificada pela entidade nacional de administração da modalidade, aquela que assegure gratuitamente ao atleta em formação, sem prejuízo das demais exigências dispostas na Lei nº 9.615, de 1998, o direito a: I - programas de treinamento nas categorias de base e formação educacional exigível e adequada, enquadrando-o na equipe da categoria correspondente a sua idade; II - alojamento em instalações desportivas apropriadas à sua capacitação técnica na modalidade, quanto a alimentação, higiene, segurança e saúde; III - conhecimentos teóricos e práticos de educação física, condicionamento e motricidade, por meio de um corpo de profissionais habilitados e especializados, norteados por programa de formação técnico-desportiva, compatível com o desenvolvimento físico, moral e psicológico do atleta; IV - matrícula escolar e presença às aulas da educação básica ou de formação técnica em que estiver matriculado, ajustando o tempo destinado à efetiva atividade de formação do atleta, não superior a quatro horas diárias, aos horários estabelecidos pela instituição educacional, e exigindo do atleta satisfatório aproveitamento escolar; V- assistência educacional e integral à saúde; VI - alimentação com acompanhamento de nutricionista, assistência de fisioterapeuta e demais profissionais qualificados na formação física e motora, além da convivência familiar adequada; VII - pagamento da bolsa de aprendizagem até o décimo dia útil do mês subsequente ao vencido; VIII - apólice de seguro de vida e de acidentes pessoais para cobrir as atividades de formação desportiva, durante toda a vigência do contrato, incluindo como beneficiários da apólice de seguro os indicados pelo atleta em formação; IX - período de descanso de trinta dias consecutivos e ininterruptos, com a garantia de recebimento dos incentivos previstos na Lei coincidente com as férias escolares regulares; X - registro do atleta em formação na entidade de administração do desporto e inscrição do atleta em formação nas competições oficiais de sua faixa etária promovidas pela entidade; e XI - transporte. É importante salientar que muitas das obrigações estabelecidas na legislação desportiva estão alinhadas com o que determina o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº 8.069/90), no tocante à proteção social integral. De posse dessas informações temos como concluir, inicialmente, que somente poderão ser classificadas como formadoras de atletas as entidades de prática desportiva filiadas na Federação da modalidade respectiva (entidade regional de administração do desporto), sendo que, diante do direito que lhes é assegurado de assinar com o atleta formado, a partir de 16 (dezesseis) anos de idade, o primeiro contrato especial de trabalho desportivo, ou ser indenizado, apenas terá efetividade caso o desporto em questão seja organizado dentro do país de modo profissional, como é o caso concreto do futebol. Assim sendo, modalidades organizadas de modo não-profissional, em nada poderão beneficiar os clubes formadores, haja vista a liberdade de prática que notabiliza esse modo de exercício do desporto de rendimento, de maneira a tornar inadmissível a instituição de indenizações por formação. Lembre-se que o mecanismo se encontra posicionado no capítulo “Da prática desportiva profissional”, no âmbito da Lei Pelé. De igual modo, associações e empreendimentos que não possuam filiação direta em entidade de administração do desporto, isto é, que promovam a prática do desporto de modo não-formal, também não poderão lograr êxito de enquadramento como entidade formadora de atletas, ainda que em busca apenas do direito de indenização (já que, consequentemente, não possuem atividade profissional). Por fim, fica em aberto a possibilidade de enquadramento como clube formador daqueles filiados em Liga Municipal Desportiva, desde que esta seja filiada a uma entidade regional de administração, fato que indiretamente permitiria a inscrição de atletas perante o respectivo sistema federativo, ainda que suas competições sejam de natureza não-profissional. Porém, trata-se de uma questão não regulamentada pela legislação e tampouco pelas entidades nacionais de administração do desporto, em especial a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), conforme adiante será visto. Fica então uma primeira crítica ao modelo adotado no Brasil, que não prestigia as entidades municipais de administração do desporto (Ligas Municipais) e os clubes sem atuação profissional, desestimulando iniciativas comunitárias no processo de formação de atletas, e que poderiam em muito contribuir para a manutenção dos adolescentes no âmbito do convívio familiar, conforme preconizado pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Certificação do clube formador: Na forma do § 3º do art. 29 da Lei nº 9.615/98, compete à entidade nacional de administração do desporto, certificar como entidade de prática desportiva formadora aquela que comprovadamente preencha os requisitos estabelecidos, de maneira a fazer jus aos direitos assegurados na legislação. Considerando que apenas o futebol é, obrigatoriamente, organizado de modo profissional no país, e atendendo ao determinado na legislação, a Confederação Brasileira de Futebol – CBF, por meio da Resolução da Presidência (RDP) nº 01/2012, estabeleceu normas, procedimentos, critérios e diretrizes para emissão do Certificado de Clube Formador (CCF), delegando às Federações Estaduais poderes para emitir prévio parecer conclusivo quanto ao preenchimento dos requisitos legais pelos clubes interessados. De acordo com esse documento resolveu a CBF que a emissão do CCF poderá ser de duas categorias, sendo: Categoria “A” – para os clubes que preencherem requisitos comprovadamente acima das exigências mínimas, concedido com validade de dois (2) anos; Categoria “B” – para os clubes que preencherem os requisitos mínimos, concedidos com validade de (1) ano. Ainda que posteriormente, o Dec. Nº 7.984/13 trouxe a seguinte disposição: Art. 52. Caberá à entidade de administração do desporto responsável pela certificação de entidade de prática desportiva formadora: I - fixar as normas e requisitos para a outorga da certificação; II - estabelecer tipologias e prazos de validade da certificação; III - uniformizar um modelo de contrato de formação desportiva; e IV - padronizar as bases de cálculo dos custos diretos ou indiretos das entidades formadoras. Parágrafo único. Atendidos os requisitos, a entidade de administração do desporto não negará a certificação da entidade de prática desportiva formadora, assim como do registro do contrato de formação desportiva. De acordo com a RDP nº 01/2012, “o pedido formal de verificação das condições para a obtenção de certificação como clube formador poderá ser formulado, a qualquer tempo, mediante requerimento escrito protocolado na entidade regional de administração do futebol competente, por qualquer clube que esteja em situação regular, de acordo com seu estatuto e Regulamentos aplicáveis”. Assim sendo, somente clubes filiados à respectiva Federação de futebol do seu Estado poderão habilitar-se para obtenção do CCF. Associações diversas e outros empreendimentos esportivos (escolinhas e centros de treinamento) dedicados a formação de jogadores de futebol, que não sejam diretamente filiados na entidade regional de administração do desporto, em princípio, não poderão pleitear referida certificação, representando um desestímulo em dedicar-se a esse trabalho, mantendo-se na marginalidade e informalidade, circunstância que acaba abrindo espaço para atuação de pessoas inabilitadas profissionalmente, quando não inescrupulosas, usando de artimanhas as mais diversas para tentar tirar proveito econômico dos atletas mirins e seus familiares, por meio de instrumentos os mais diversos, ainda que vedados por lei (art. 27-C, inc. VI) , cabendo ressaltar também a seguinte orientação do Ministério Público do Trabalho. ORIENTAÇÃO N. 16. Ementa: Atletas. Aprendizagem. Representação. Limites. I – São nulas quaisquer modalidades de contratos de agenciamento esportivo para atletas com idade inferior a 14 anos. II – A partir de 14 anos, é obrigatória a representação ou assistência dos responsáveis legais em todos os atos jurídicos praticados pelos atletas, vedada a transferência contratual de direitos inerentes ao poder familiar a agentes ou terceiros. (Orientação elaborada e aprovada por maioria com base em estudo da Coordinfância). (In: JESUS [et al.], 2013, p. 81). Na forma do Anexo II da RDP nº 01/2012, a obtenção da certificação de clube formador depende do cumprimento dos seguintes requisitos essenciais: I – apresentar relação dos técnicos e preparadores físicos responsáveis pela orientação e monitoramento das respectivas categorias de base, com habilitação para o exercício da função; II - comprovar a participação em competição oficial da categoria; III - apresentar programa de treinamento, detalhando responsáveis, objetivos, horários e atividades, compatíveis com a faixa etária, atividade escolar dos atletas e período de competição; IV - proporcionar assistência educacional que permita ao atleta frequentar curso em horários compatíveis com as atividades de formação, em qualquer nível (alfabetização, ensino fundamental, médio, superior)), ou ainda curso técnico, profissionalizante, de capacitação ou de idiomas) mediante matrícula em estabelecimento de ensino regular ou através de professores contratados, mantendo controle sobre a frequência e o aproveitamento escolar do atleta; V - proporcionar assistência médica aos atletas, através de profissional especializado contratado, terceirizado ou mediante celebração comprovada de convênio com instituições públicas ou privadas de modo a permitir o seguinte; a. avaliação pré-participação realizada necessariamente por médico com especialização, ou experiência, em medicina do esporte, cardiologia ou clínica geral, e ainda por ortopedista, a qual deverá seguir as diretrizes da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte, com vistas à prevenção de morte súbita; b. exames complementares mínimos tais como; hemograma completo, glicemia, teste de afoiçamento de hemácias, parasitológico de fezes, urina (EAS), ECG basal e RX de tórax, assim como outros necessários para diagnóstico do estado de saúde do atleta; c. calendário de vacinação atualizado (calendário oficial do Ministério da Saúde) e realização de exames periódicos anuais; d. manter departamento médico dotado de área física e instalações compatíveis e apropriadas, equipado com material e medicamentos para atendimento básico e primeiros socorros, sob a responsabilidade de um médico e contando ainda, nos horários de funcionamento, com auxiliar de enfermagem e médico; e. manter prontuário médico individual para cada atleta, devidamente atualizado, alem do registro diário dos atendimentos; f. garantir meios para diagnóstico e tratamento de patologias, intercorrências e lesões; g. dispor de centro de reabilitação, próprio ou conveniado, sob a responsabilidade de profissional habilitado o inscrito no CREFIT0, com o mínimo de material e equipamentos que permitam a recuperação de lesões comuns; h. comprovar que propicia assistência psicológica, por profissional habilitado o inscrito no CRP, mediante convênio com instituições públicas ou particulares, ou concurso de profissional contratado, que destine pelo menos (4) horas semanais ao clube; i. comprovar que disponha de meios que permitam, de forma constante e continua, proporcionar assistência odontológica aos atletas em formação através de medidas preventivas e terapêuticas, tanto por meio de serviços terceirizados, próprios ou conveniados; j. sem prejuízo da atividade esportiva, facultar a visita de familiares do atleta, a qualquer tempo, e proporcionar, às suas expensas, ao final de cada temporada oficial (assim determinado no calendário de cada entidade de administração), meios para que o atleta possa viajar à sua cidade de origem, quando for o caso, com o objetivo de conviver com seus familiares até a data marcada para sua reapresentação, por força de competição ou início de próxima temporada; k. garantir aos atletas em formação e que sejam residentes no clube, o mínimo de três (3) refeições diárias (desjejum, almoço, jantar), planejadas por nutricionista e servidas no clube ou fora dele, sendo exigível local adequado e em boas condições de higiene e salubridade. Aos atletas em formação não residentes no clube será assegurado lanche em cada período de treinamento de que participar; l. assegurar transporte para treinos e jogos, às expensas do clube e realizado pelos meios permitidos na legislação; m. comprovar o pagamento mensal de auxílio financeiro para o atleta em formação, sob a forma de bolsa de aprendizagem, livremente pactuada mediante contrato formal, sem que se constitua vínculo empregatício entre as partes; n. apresentar plano de contingência médica que garanta, nos locais de treinamento ou jogos, pessoal, material e equipamentos de primeiros socorros, atendimento imediato e meios para o pronto transporte da vítima, quando necessário; o. comprovar a existência, às suas expensas, de um seguro de acidentes pessoais, para cobrir as atividades do atleta em formação; p. manter alojamento com área física proporcional ao número de residentes, dotado de ventilação e iluminação natural, em boas condições de habitabilidade, higiene e salubridade, com mobiliário individual, assim como e da mesma forma, banheiros e área de lazer; q. fornecer aos atletas uniformes de treino e jogo, além de roupa de cama, mesa e banho, material de limpeza e higiene pessoal. Diante do conjunto das obrigações estabelecidas pela legislação estatal e privada, é de se notar que poucos estarão habilitados à certificação como clube formador. Tanto é assim que, em 1º de outubro de 2015, a CBF divulgou a relação de clubes certificados, somando apenas 37 na Categoria “A” (2 anos) e 06 na Categoria “B” (1 ano), em que pese existirem no país pelo menos 783 clubes filiados nas Federações Estaduais, segundo divulgado pela CBF em 2009. A proposta do clube formador comunitário Era preciso, insistimos, em um nível de exigência compatível com a realidade brasileira, instituir a figura do clube formador comunitário, como de fato temos milhares deles espalhados por todo o país, estabelecidos como “centros de treinamento”, “escolinhas” e “projetos sociais”, oferecendo oportunidades de prática do futebol a toda sorte de crianças e adolescentes, mas de maneira totalmente desarticulada do sistema federativo e, na maioria das vezes, sem qualquer tipo de supervisão ou acompanhamento institucional pelos órgãos de proteção da criança e do adolescente. Enquanto estes não forem integrados ao contexto formal (público e privado), com acesso ao conhecimento das técnicas desenvolvidas e trabalho em rede, inclusive, com oportunidade de participação na riqueza econômica do futebol, pouco se pode esperar quanto à possibilidade de assistirmos um salto de qualidade nesse processo, de modo que vamos continuar perdendo de goleada para os países que fazem do desporto um instrumento de integração nacional, com políticas bem definidas de desenvolvimento em suas diversas matizes. Não que se defenda a precarização do atendimento aos menores que sonham em seguir uma carreira de atleta profissional, ao contrário, é preciso iniciar um processo de aperfeiçoamento dessas iniciativas, reconhecendo suas limitações e seu perfil de atuação comunitária, que pode evoluir muito com suporte técnico, em especial através das Ligas Municipais filiadas às Federações, em parceria com as Prefeituras e suas Secretarias de Esporte, supervisionados por Conselhos Municipais de Defesa da Criança e do Adolescente, ao lado dos Conselhos do Esporte. Não se descarte, ainda, aos clubes formadores comunitários (não-profissionais), a possibilidade de parceria com os clubes profissionais certificados, recebendo orientação técnica e participando dos direitos de formação, superando questões que envolvem a iniciação de adolescentes entre 12 e 13 anos de idade, sem que para tanto tenham que renunciar ao convívio familiar. Para que tudo isso possa acontecer é preciso introduzir na lei de normas gerais sobre desporto, comandos orientadores de um processo de municipalização do desporto, isto é, induzindo a criação de sistemas municipais, integrados a sistemas estaduais, e por fim compondo um renovado Sistema Brasileiro do Desporto. Avançamos sobre esse tema e propomos sua redefinição no livro Tratado de Direito Desportivo. Fonte: REZENDE, José Ricardo. Tratado de Direito Desportivo. São Paulo: All Print, 2016.

 
 
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